Análise

"Considero um avanço que 26 mil mulheres sírias estejam no ensino superior"

por EDULOG


8 de maio de 2025 |

Yasar Kondakci, professor de Administração Educacional na Middle East Technical University — que será um dos oradores da Conferência Internacional Edulog 2025, a decorrer nos dias 22 e 23 de maio, no Porto — destacou, em entrevista ao EDULOG, que a resposta da Turquia aos cerca de 61 mil refugiados sírios que frequentam o ensino superior daquele país incluiu a adoção de várias medidas estruturais.

Atualmente, cerca de 61 mil refugiados sírios frequentam o ensino superior na Turquia. Destes, aproximadamente 26 mil são mulheres — um número ainda modesto face aos cerca de 600 mil jovens sírios em idade universitária, mas que assinala uma mudança significativa: para muitas destas jovens, a universidade representa uma oportunidade de acesso a direitos que não teriam na Síria. Esta é uma das ideias centrais da entrevista a Yasar Kondakci, professor de Administração Educacional na Middle East Technical University, em Ancara, que será um dos oradores da Conferência Internacional EDULOG 2025 - “International students: a profitable industry or the prevalence of academic and socio-cultural values?”, a realizar-se nos dias 22 e 23 de maio de 2025, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto. Em conversa com o EDULOG, Kondakci traça ainda um retrato aprofundado da resposta do sistema universitário turco à chegada em larga escala de refugiados sírios, refletindo sobre políticas públicas, tensões sociais e o papel do ensino superior como instrumento de inclusão.

1. Pode dar-nos uma visão breve do que irá falar na Conferência Internacional EDULOG?

Na primeira parte, vou introduzir o tema dos refugiados sírios a partir da perspetiva da Turquia. Vou adotar uma perspetiva política, porque esta é uma questão política — não se trata de uma simples questão de refugiados. Também irei abordar algumas das medidas estruturais adotadas para facilitar o acesso dos refugiados sírios ao ensino superior turco e refletir sobre o valor dessas oportunidades. Defendo que, dada a escala desta migração, tanto a comunidade internacional como o governo turco devem criar mais respostas para esta população.

2. Os sírios são o maior grupo de refugiados na Turquia. Foi isso que justificou a criação de um estatuto especial para eles?

Suspeito, porque os números não são oficiais, que existam cerca de 10 milhões de refugiados atualmente, sendo os sírios o maior grupo - os números oficiais falam em 3,6 milhões de sírios, mas outros dados indiciam que o número pode ser ligeiramente superior. O governo turco estabeleceu um estatuto especial para os sírios por várias razões.

Por um lado, devido à escala desta migração - os outros refugiados, como os afegãos, paquistaneses ou iraquianos usam a Turquia, sobretudo, como porta de entrada na Europa e preferem dirigir-se para países nórdicos ou Alemanha, não querem ficar cá.

Por outro lado, existe um acordo entre a Turquia e a União Europeia para manter os refugiados — especialmente os sírios — em território turco. Por vezes, este acordo é apelidado, nos meios internacionais, de “acordo da vergonha”. É evidente que os países europeus procuraram manter os refugiados fora das suas fronteiras e acordaram partilhar os custos com a Turquia.

Adicionalmente, desde o início, a Turquia teve um envolvimento político direto no conflito sírio, esperando que terminasse em poucos anos e que a maioria dos refugiados regressasse. Inicialmente, previam-se 500 mil refugiados, mas o conflito arrastou-se por mais de dez anos e a maioria da população acabou por migrar para a Turquia. A resposta institucional foi a criação da Lei de Proteção Temporária, em 2013, que permitiu justificar legalmente a atribuição de serviços públicos como educação, saúde ou transporte a essa população. Graças a essa lei, foi possível isentar os estudantes sírios de propinas, oferecer alojamento e bolsas de estudo.


“Os dados mais recentes apontam para aproximadamente 61 mil estudantes sírios inscritos em instituições de ensino superior turcas.”


3. Atualmente, quantos refugiados sírios frequentam o ensino superior na Turquia?

Dos 3,6 milhões de refugiados sírios registados, cerca de 600 mil estão em idade de frequentar o ensino superior (entre os 18 e os 25-27 anos). Ainda assim, os dados mais recentes apontam para aproximadamente 61 mil estudantes sírios inscritos em instituições de ensino superior turcas. A maioria são homens, cerca de 35 mil, mas há também cerca de 26 mil mulheres.


“Na cultura síria há uma clara prioridade em educar os rapazes. Por isso, considero um avanço que cerca de 26 mil mulheres sírias estejam hoje inscritas no ensino superior turco.”


4. O que permite que as mulheres frequentem o ensino superior na Turquia, apesar das barreiras culturais?

Creio que tal pode ser atribuído ao ambiente democrático e secular das universidades turcas e ao facto de o país ter cidades seguras. Este tipo de contexto pode encorajar as famílias a permitir que as filhas prossigam os estudos — algo que não teria sido possível se as raparigas continuassem na Síria, especialmente depois do avanço de regimes mais conservadores no país.

Na cultura síria há uma clara prioridade em educar os rapazes. A expectativa é a de que venham a exercer uma profissão e a contribuir economicamente para o sustento da família. As raparigas são incentivadas a casar cedo e o ensino superior não é visto como uma prioridade. Por isso, considero um avanço que cerca de 26 mil mulheres sírias estejam hoje inscritas no ensino superior turco.

5. A língua não foi uma barreira no acesso dos sírios à universidade?

Inicialmente, o governo pensou abrir cursos em árabe, especialmente nas províncias do Sul, perto da fronteira com a Síria. Também se tentou criar ou apoiar cursos universitários nas zonas consideradas seguras no norte da Síria. Mas rapidamente se percebeu que os sírios não queriam estudar na Síria — queriam estudar na Turquia. Este desejo revela muito claramente a capacidade de agência destes refugiados. Apesar de terem sido forçados a sair devido à guerra, optaram conscientemente por permanecer na Turquia, onde sentiam que poderiam reconstruir as suas vidas de forma mais sólida e segura. Foram então criados centros gratuitos de aprendizagem da língua turca em cada universidade. Esses centros oferecem cursos durante um ano, antes do ingresso formal na universidade, garantindo que os estudantes sírios consigam acompanhar as aulas em turco.

6. Que outros apoios o governo implementou para facilitar o acesso ao ensino superior?

Apoios financeiros, sobretudo. Assim que o conflito eclodiu, em 2011, foram criadas bolsas de estudo e quotas específicas para estudantes sírios. Com o tempo, outras entidades internacionais e ONG juntaram-se ao esforço em cooperação com o governo turco e a lei de 2013 isentou-os de propinas. Ainda assim, é importante apontar que nem todos os estudantes sírios precisam de apoio. Alguns vêm de famílias com alguma estabilidade económica e estudam em universidades privadas. A maioria, porém, frequenta universidades públicas.

Também houve uma flexibilização das regras de acesso em termos documentais: muitos estudantes fugiram em contexto de guerra sem documentos adequados. O governo turco criou assim exceções, permitindo exames alternativos e inscrições condicionais enquanto os documentos eram recuperados, uma atitude muito mais liberal do que se vê noutros países com refugiados, como na Alemanha, por exemplo.


“O ensino superior também é visto por estes estudantes como um espaço de reconhecimento, onde se vive uma experiência de coexistência pacífica, longe da discriminação quotidiana.”


7. O que motiva os refugiados sírios que conseguem aceder ao ensino superior e que áreas escolhem?

Os perfis são diversos. Alguns estudantes começaram a estudar na Síria e retomaram os estudos na Turquia, mas nem sempre na mesma área. Outros escolheram cursos mais acessíveis, não necessariamente por vocação, porque a prioridade era aceder a uma universidade — não tanto garantir uma saída profissional específica.

Muitos veem o ensino superior como uma forma de obter uma identidade legítima no país de acolhimento. Um diploma pode ajudar, por exemplo, a obter cidadania turca e reforçar o seu direito a permanecer. O contexto mostra-nos que a maioria não vai regressar à Síria. Esta é uma migração económica, baseada nas diferenças salariais e económicas entre países.

O ensino superior também é visto por estes estudantes como um espaço de reconhecimento, onde se vive uma experiência de coexistência pacífica, longe da discriminação quotidiana. E isso é particularmente importante para quem viveu experiências de exclusão. Como afirmou uma colega, os testemunhos dos refugiados mostram que o acesso à universidade é moldado por múltiplos fatores: ambição pessoal, apoio familiar, incentivo comunitário, política educativa e o próprio contexto social. A universidade torna-se um espaço onde o racismo, a xenofobia e a discriminação são atenuados, e onde se pode coexistir com os outros de forma mais segura — apesar das limitações financeiras ou pedagógicas.

8. Que impacto está a ter na sociedade turca a permanência destes refugiados?

Muitos estão a estudar, a abrir negócios, a aprender a língua e a tentar obter a cidadania. Também têm acesso, por exemplo, a serviços de saúde gratuitos, enquanto os cidadãos turcos pagam. Isso gerou tensões visíveis entre estudantes turcos e refugiados em alguns campus universitários.

Ainda assim, casos de violência são raros. Em mais de 14 anos, só registámos um episódio com algum grau de violência, resolvido localmente. Mas há formas mais subtis de discriminação: atitudes arrogantes, acusações de que os sírios não pagam nada ou apelos para que “voltem ao seu país”. Esta tensão é alimentada por um discurso político cada vez mais à direita, com partidos políticos a surgir com agendas antirrefugiados, algo novo no contexto turco.

9. Já é possível avaliar os efeitos destas políticas a longo prazo? O ensino superior tem ajudado estes estudantes a entrar no mercado de trabalho?

Esta é precisamente a questão que temos vindo a estudar. Até agora, verificámos que poucos obtiveram emprego relacionado com o curso. Muitos trabalham em áreas que nada têm que ver com o curso que tiraram. Isto sugere que o ensino superior, mais do que garantir uma carreira específica, tem funcionado como uma ferramenta de legitimação e inclusão social. Permite desenvolver competências, adquirir uma identidade reconhecida e construir uma vida mais estável na Turquia, mesmo sem garantia de emprego.

Apesar disso, há impactos positivos, ainda que difíceis de quantificar. Uma política inclusiva, centrada na educação, é essencial para evitar a marginalização dos refugiados. A história mostra que a exclusão tende a criar guetos e pode empurrar estas populações para atividades ilegais ou até para grupos extremistas. Por isso, sempre defendemos — mesmo perante críticas da direita política — que a educação dos refugiados é crucial.

Embora os resultados ainda estejam a ser avaliados, sabemos que muitos refugiados sírios já estão integrados: frequentam universidades, aprendem a língua, procuram trabalho, alguns já obtiveram cidadania. No que toca ao emprego, o acesso ao ensino superior pode não ser suficiente, a menos que se introduzam medidas complementares. Provavelmente, será necessário alargar a política de bolsas de estudo e criar oportunidades no domínio da empregabilidade.

10. O que está a estudar no momento?

Atualmente, estamos a realizar uma revisão sistemática de todos os estudos existentes — em turco e em inglês — sobre refugiados sírios no ensino superior. Queremos perceber o que já foi investigado, que lacunas existem e o que podemos aprender, tanto sobre o acesso como sobre a experiência académica e a transição para a vida profissional. Estamos a tentar avaliar se o ensino superior está realmente a criar capacidades — no sentido definido pela teoria do desenvolvimento humano de Amartya Sen — ou seja, se está a proporcionar liberdades reais para que estas pessoas construam a vida que desejam.

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