Análise

Captar estudantes é fácil, mas reter e integrar de forma plena exige planeamento, investimento e formação dos docentes

por EDULOG


1 de maio de 2025 |

Em entrevista ao EDULOG, Cristina Sin antecipa os temas da comunicação que fará com Orlanda Tavares na Conferência Internacional EDULOG, que terá lugar nos dias 22 e 23 de maio no Palácio de Cristal, no Porto.

Nos dias 22 e 23 de maio, o Porto acolhe a Conferência Internacional EDULOG, dedicada este ano aos desafios e tensões da mobilidade académica global. Entre os oradores estarão Cristina Sin, professora auxiliar de Ciências de Educação na Universidade Lusófona, e Orlanda Tavares, investigadora auxiliar no Instituto de Educação da Universidade do Minho e referências na investigação sobre estudantes internacionais em Portugal. A partir do conceito de “semiperiferia”, analisam como o país passou de exportador de estudantes a destino emergente de estudantes estrangeiros, com um crescimento de 270% na última década. Em entrevista, Cristina Sin antecipa os temas centrais da comunicação que apresentarão - da atração estratégica via várias ações de recrutamento, inclusive redes sociais, à fragilidade dos mecanismos de acolhimento e integração. Destaca ainda as tensões entre sustentabilidade financeira e responsabilidade social, que se agudizam num sistema que capta bem, mas ainda integra mal.

1. Pode dar-nos uma antevisão da vossa apresentação?

A nossa apresentação centra-se em dois eixos principais. Por um lado, procuramos explicar o que significa Portugal ser considerado um país semiperiférico e quais as implicações dessa classificação. Por outro, focamos o impacto nos estudantes: como são acolhidos, apoiados e integrados ao longo do seu percurso académico.


“Portugal situa-se no meio: é simultaneamente exportador e importador de estudantes.”


2. O que significa ser um país semiperiférico?

Na mobilidade internacional, chamamos “centrais” países como EUA, Reino Unido ou Austrália, que investem há décadas em atrair alunos. No extremo oposto estão os “periféricos”, meramente exportadores de talento. Portugal posiciona-se na “semiperiferia”: exporta e importa estudantes, combinando características de ambos os polos. Esta posição — simultaneamente emissor e recetor — coloca desafios específicos às políticas de internacionalização. Enquanto país semiperiférico, Portugal atrai estudantes, mas essa posição influencia a escala do financiamento, a visibilidade internacional e os perfis dos estudantes que acolhe.


“Só a partir dos anos 2010 é que Portugal passou a reter mais estudantes e a afirmar-se como destino.”


3. Durante décadas Portugal foi um país periférico. Quando é que isso se alterou?

Até ao início dos anos 2000, Portugal era sobretudo um país exportador de estudantes — muitos procuravam doutoramentos no estrangeiro, devido à escassa massa crítica nas universidades nacionais. O panorama mudou com o investimento em ciência e o reforço da capacidade formativa das instituições. A partir daí, o país começou a reter e a atrair mais estudantes e a afirmar-se como destino. Esse percurso consolidou-se nos últimos dez anos, com um crescimento sustentado da mobilidade de grau e a diversificação dos países de origem.

4. Em dez anos, a mobilidade de grau mais do que triplicou. Este salto surpreendeu-a?

Sim. Incluindo todas as tipologias, os números da DGEEC indicam uma subida de 27 mil estudantes internacionais em 2013/14 para 73 mil em 2023/24. Mas o que mais impressiona é a mobilidade de grau — ou seja, estudantes que vêm fazer uma licenciatura, mestrado ou doutoramento completos. Nessa dimensão, os números subiram de 14.883 para 55.330. É um aumento de cerca de 270%. Parte deste crescimento era esperado, mas o ritmo superou as expectativas.

5. Que fatores prepararam esse crescimento?

A quebra demográfica e a redução do número de candidatos nacionais, sobretudo fora dos grandes centros, levaram as instituições, a partir de 2010, a apostar no recrutamento e a diversificar os seus públicos-alvo. O Estatuto do Estudante Internacional (DL 36/2014) foi um marco: ao permitir propinas diferenciadas e flexibilizar o acesso, tornou-se uma fonte de receita essencial. Ao mesmo tempo, como mostra um estudo promovido pelo CIPES e pelo EDULOG em 2020-2021, com responsáveis de 13 instituições, cresceu a aposta em marketing, inclusive marketing digital, o reforço de parcerias com diversas instituições de ensino no estrangeiro, e surgiram também abordagens mais inovadoras como parcerias com influenciadores. O próprio olhar das instituições mudou: a internacionalização passou a ser encarada como estratégia de sustentabilidade.


“Pela primeira vez, a China entrou no top 10, subindo de 148 para cerca de 1 300 estudantes.”


6. Quais são hoje os países de origem mais relevantes?

Em 2024, dos cerca de 55.000 estudantes internacionais em Portugal, mais de 15.000 eram brasileiros. A seguir vem a Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A procura dos estudantes dos Palop explica-se em grande parte pela capacidade limitada de oferta de ensino superior nos seus países de origem. Vêm com o objetivo claro de obter uma qualificação académica. O Brasil, apesar de ter um sistema de ensino superior mais consolidado, embora com um grande peso do ensino privado, apresenta um padrão diferente: há uma procura mais diversificada, incluindo mestrados e doutoramentos.
Assistimos também ao crescimento de novos públicos, europeus, em especial na área da saúde. Estudantes franceses, alemães e italianos procuram cursos como Medicina Dentária e outras áreas das ciências da saúde, principalmente em instituições privadas.
Outra evolução recente é o crescimento da China como país de origem, agora no top 10 dos países de origem. Em 2014, havia apenas 148 estudantes chineses em Portugal; em 2024, eram já cerca de 1.300, colocando a China no nono lugar no ranking de estudantes internacionais. Os estudantes chineses têm procurado mais os cursos de pós-graduação. Veem-se estudantes chineses, por exemplo, em mestrados e doutoramentos, níveis de qualificação em que há mais cursos lecionados em inglês.

7. Que benefícios traz o crescimento dos estudantes internacionais? E que fragilidades pode esconder?

Os benefícios são vários. Desde logo, o impacto financeiro: ao pagarem propinas mais elevadas, os estudantes internacionais tornam-se uma fonte importante de receita. Mas há também vantagens pedagógicas e culturais — a diversidade nas salas de aula enriquece o ambiente académico e permite aos estudantes portugueses o contacto com outras realidades. A literatura designa este fenómeno por “internacionalização em casa”.
Contudo, o crescimento acelerado também expõe fragilidades, sobretudo ao nível da integração. A experiência académica nem sempre é acompanhada por um verdadeiro acolhimento institucional. Muitos estudantes relatam dificuldades em estabelecer laços com colegas portugueses e em sentirem-se parte da comunidade. A ausência de uma estratégia clara de integração pode prejudicar a sua permanência e repercutir-se negativamente nas perceções que partilham, sobretudo nas redes sociais.


“O ‘daltonismo cultural’ em sala desvaloriza variantes estrangeiras e atrasa a integração.”


8. Onde é mais visível a tensão entre objetivos económicos e responsabilidade social? Consegue partilhar um caso concreto?

Essa tensão é visível no quotidiano dos estudantes. O sistema acolhe-os com propinas diferenciadas e objetivos financeiros claros, mas nem sempre garante mecanismos eficazes de apoio e acompanhamento. Estudos conduzidos nos últimos anos oferecem testemunhos de estudantes — por exemplo brasileiros — que se sentiram pressionados a adaptar-se às normas do português europeu, vendo desvalorizada a sua variante linguística.
São sinais de “daltonismo cultural”, como lhe chamou o investigador Cosmin Nada do ISCTE: a dificuldade em reconhecer e integrar diferentes perspetivas. Além disso, muitos estudantes internacionais acabam por se relacionar apenas entre si, sem criar redes com colegas portugueses. Estes exemplos mostram que captar é fácil — mas reter e integrar de forma plena exige planeamento, investimento e formação dos docentes.

9. Brasil e os PALOPs continuam a dominar as chegadas. Porque é urgente diversificar?

Depender apenas dos mercados lusófonos torna Portugal vulnerável a mudanças políticas, económicas ou cambiais nesses países. Nos últimos anos já se notou alguma diversificação: estudantes franceses, alemães e italianos procuram cursos nas áreas da saúde; e a China passou de 148 para cerca de 1.300 estudantes entre 2014 e 2024, graças a campanhas, inclusive digitais, bem direcionadas.
Mas faltam estratégias nacionais articuladas. Persistem obstáculos como a língua - a maioria dos cursos ainda é lecionada apenas em português - e a ausência de uma plataforma agregadora de ofertas em inglês. Soma-se a burocracia: vistos, reconhecimento de diplomas, validação de graus. Para captar novos públicos, Portugal terá de simplificar processos e reforçar a promoção internacional de forma mais coordenada.

10. O crescimento rápido pode ampliar desigualdades? Que estratégias poderiam ser usadas para colmatar esse problema?

Muitos estudantes internacionais oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos não conseguem suportar os custos de propinas, alojamento e subsistência. Atualmente, as bolsas públicas para estrangeiros são muito escassas (por exemplo, a Fundação Gulbenkian oferece bolsas de mestrado a estudantes dos PALOPs) e depende das políticas de cada instituição oferecer bolsas, descontos na propina ou apoios pontuais. Poderia haver mais programas específicos de bolsas — nomeadamente para países de língua portuguesa ou regiões prioritárias — que garantam acesso e equidade. Mesmo que existam bolsas para regiões estratégicas, como os PALOP, o seu número seria sempre limitado e insuficiente para corrigir as desigualdades de acesso à escala necessária.
Existem exemplos de boas práticas: no estudo realizado, identificou-se pelo menos uma instituição do interior do país que apoia financeiramente estudantes internacionais em situação crítica, ajudando-os a concluir os seus estudos e a permanecer no ensino superior. Mas são pontuais.

11. Metade dos estudantes estrangeiros que vem para Portugal fica apenas pela licenciatura e só 15% prossegue até ao doutoramento. Porque é que isto acontece?

Portugal carece do prestígio e do renome ao nível da investigação que outros países - como a Suíça ou os países nórdicos - já consolidaram, o que se reflete nos rankings internacionais (por exemplo, o ranking Shanghai). Adicionalmente, o investimento em investigação e desenvolvimento continua muito abaixo da média europeia, tornando menos atraente o ambiente para quem procura fazer um doutoramento. Além disso, mesmo após concluir o grau, os estudantes terão poucas oportunidades de carreira no circuito académico nacional, o que acaba por desincentivar a sua vinda.


“O investimento em investigação e desenvolvimento continua muito abaixo da média europeia.”


12. Que incentivos poderiam ser criados para duplicar o número de doutorados até 2030, em linha com o objetivo do PRR?

Uma via promissora é a expansão das bolsas FCT em ambiente não académico. Já existem programas que permitem a investigadores em início de carreira desenvolver projetos aplicados em diversas áreas económicas e sociais. Alargar este modelo ajudaria a criar saídas profissionais e a reforçar a ligação entre academia e sociedade. No entanto, estas parcerias beneficiam sobretudo áreas técnicas - como engenharia, ciências exatas ou tecnologias - com maior potencial de transferência de conhecimento e inovação aplicável. Nas ciências sociais e humanas, essa transferência de conhecimento é menos evidente e menos valorizada, o que dificulta a criação de pontes com o setor privado. Seria essencial reconhecer essa assimetria, pensar modelos alternativos e reforçar o orçamento nacional de investigação para garantir uma política científica mais inclusiva.


“Um visto Post-Study poderia incentivar a retenção de estudantes internacionais.”


13. Que países têm políticas eficazes de retenção de estudantes internacionais?

Canadá e Austrália são bons exemplos. Ambos permitem que os estudantes permaneçam no país durante dois ou três anos após a conclusão dos estudos, com um visto "post-study" para procurar trabalho. Portugal poderia adotar uma medida semelhante, se quiser apostar na retenção de capital humano qualificado. A maioria dos estudantes internacionais já fez o esforço de se deslocar, adaptar-se, estudar aqui. Facilitar a sua permanência seria uma forma eficaz de reter talento. A Europa está a reconhecer a necessidade de atração e retenção de mão de obra qualificada, com a constituição de uma reserva de talentos (que vai além dos diplomados do ensino superior) mas ainda de forma tímida.


“Portugal pode posicionar-se como um hub regional.”


14. Portugal poderá beneficiar do afastamento de estudantes de países como os EUA ou Reino Unido?

Sim, há sinais de que países tradicionalmente muito atrativos, como Reino Unido, depois do Brexit e EUA, estão a perder quota relativa. É uma oportunidade para países que tradicionalmente não estavam no radar destes estudantes, como Portugal, se afirmarem como destinos alternativos. A harmonização da arquitetura de graus nos países do Espaço Europeu do Ensino Superior (European Higher Education Area), através do Processo de Bologna, também tem tido um papel muito importante pois permite que estudantes venham estudar em Portugal e depois vejam os seus diplomas reconhecidos noutros países europeus. Por exemplo, isso é particularmente relevante nas áreas da saúde, onde há grande procura por cursos como medicina dentária por estudantes europeus.

15. Além da língua no caso dos países lusófonos que outros fatores tornam Portugal atrativo?

Os fatores que mais pesam para estudantes de países lusófonos são o prestígio académico, a qualidade dos cursos e os custos — propinas e custo de vida. Portugal continua a ser competitivo nesses aspetos, mesmo com o aumento recente das propinas para estudantes não europeus.


“Muitos estudantes esperam meses, até um ano, para obter um visto.”


16. Quais os principais obstáculos práticos que os estudantes enfrentam?

Os vistos. Muitos estudantes esperam meses, até um ano, para obter um visto. Isso afeta diretamente a sua experiência e pode levá-los a desistir ou a perder o semestre letivo por completo. É uma área que exige claramente uma resposta a nível nacional. Além dos vistos é preciso pensar melhor em estratégias para melhorar as condições de acolhimento, permanência e os incentivos à integração pós-estudos.

17. Que políticas públicas existem destinadas a reforçar a atratividade do sistema português?

A Agência Nacional Erasmus+ tem agora, por via da Resolução n.º 115/2021, a missão de promover a internacionalização do ensino e de apoiar o acolhimento. Um exemplo recente é o Symposium França-Portugal 2025, que deverá dar origem a um processo de certificação das instituições em termos de qualidade do acolhimento. Paralelamente, a plataforma Study and Research in Portugal reúne informação centralizada para orientar estudantes e investigadores internacionais. Estas são medidas recentes de apoio à captação e orientação dos estudantes e investigadores internacionais que apontam para uma maior coordenação nacional.

18. Estão a preparar algum novo projeto de investigação?

Sim. Temos estudado sobretudo estratégias de recrutamento e motivações institucionais. Agora gostaria de ouvir os estudantes: compreender a sua experiência de integração em Portugal. Há poucos estudos de grande escala nessa área. As instituições continuam a funcionar com uma ideia de estudante-tipo que já não reflete a diversidade que hoje existe — e é isso que pretendo explorar.




Cristina Sin e Orlanda Tavares apresentarão a comunicação International students in Portugal as a semi-peripheral destination na Conferência Internacional EDULOG 2025, a decorrer nos dias 22 e 23 de maio, no Porto. Pode fazer a sua inscrição aqui.


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