Em maio de 2018, foi publicado em Diário da República o Despacho nº 5036-A/2018, que fixou o número máximo de novas admissões em cada ciclo de estudos de formação inicial pelas instituições de ensino superior para o ano letivo 2018/19.
Com o objetivo de aprofundar a coesão do País e assegurar uma maior competitividade e sustentabilidade às regiões com menor pressão demográfica, reduzindo as distorções de ordenação territorial, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior determinou, para o ano letivo 2018/19, a redução em 5% do número máximo de vagas a fixar pelas instituições de ensino superior públicas sediadas em Lisboa e no Porto, permitindo o aumento de vagas nas instituições do resto do país.
Analisou-se o número de alunos inscritos no 1º ano, pela 1ª vez, no ano letivo 2017/18 e as respetivas percentagens. Estes são os alunos que em 2017 entraram, de novo, no ensino superior, por qualquer das vias de acesso, dado mais significativo do que o número de vagas do concurso nacional de acesso. Quando se considera apenas o ensino superior público, verifica-se que, no caso das universidades, Lisboa corresponde a 38,9% e o Porto a 15,7% dos alunos inscritos, ou seja, as duas áreas metropolitanas concentram 54,6% do total dos alunos universitários públicos, correspondendo o resto do país a apenas 45,4%, isto é, menos de metade. No caso do ensino politécnico, a distribuição é mais equilibrada, com 21,1% em Lisboa e 16,5% no Porto (total 37,6%), ficando o resto do país com 62,4% (cerca de 2/3). Quando se considera o total do ensino público, a distribuição dos politécnicos atenua, em parte, o desequilíbrio do universitário, ficando Lisboa e Porto com 47,8% e o resto do país com 52,2% do total, ou seja, mais de metade do total dos alunos.
Analisando-se os dados referentes ao ensino privado, identifica-se um muito maior desequilíbrio na distribuição dos alunos. No universitário, Lisboa corresponde a 54,7% e o Porto a 36,0% do total de alunos (90,7% nas duas áreas metropolitanas somadas), com apenas 9,3% para o resto do país. O ensino politécnico é também desequilibrado na sua distribuição, embora não tanto como o universitário. Neste caso, Lisboa representa 45,7% e o Porto 26,2% (total 71,9%, mais de 2/3), deixando apenas 28,1% para o resto do país. Quando se considera o ensino superior privado na sua totalidade, Lisboa representa 52,0% e o Porto 33,2% (total 85,2%), com apenas 14,8% no resto do país.
Quando se considera a totalidade do ensino superior (universitário e politécnico, público e privado), Lisboa representa 36,1% e o Porto representa 19,6% (total igual a 55,7%, superior a metade), com apenas 44,3% para o resto do país (inferior a metade). Estes desequilíbrios aumentam quando se incluem os ciclos de estudos de mestrado e doutoramento, que também se concentram em Lisboa e no Porto.
Os dados da tabela 1, referentes ao ensino superior público, evidenciam constância, entre 2014 e 2017, no número de vagas por instituição, bem como no seu total. A situação apenas se altera em 2018, quando o Ministério decide reduzir em 5% as vagas das instituições de Lisboa e Porto para tentar diminuir a excessiva concentração de alunos do ensino superior nestas áreas metropolitanas e, ao mesmo tempo, aumentar o número de alunos no interior do país.
Tabela 1 – Vagas por instituição – Ensino público. Fonte: DGEEC.
Desde logo se estranha que as vagas retiradas a Lisboa e ao Porto não tenham sido concentradas nas regiões do interior, permitindo-se, por exemplo, aumentos de vagas nas instituições dos distritos de Aveiro, Braga, Coimbra e Viana do Castelo. Ora estes distritos não só não podem ser considerados “interior do país”, como dispõem de instituições com boa capacidade de atração de alunos.
Foi feita uma simulação do que teria acontecido se não tivesse ocorrido o corte de 5% das vagas nas instituições de Lisboa e do Porto. Note-se que esta simulação é feita para a 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior e não para o processo completo das 3 fases de colocação nem para os alunos efetivamente inscritos. São também conhecidos os valores reais dos alunos inscritos pela 1ª vez no 1º semestre de 2018/19. O resumo dos resultados é apresentado na Tabela 2, onde, por instituição, é apresentada a variação de vagas, a variação de inscritos, a simulação do que ocorreria se não tivessem existido cortes de 5% e a variação entre a realidade e a simulação.
Tabela 2 – Variação de vagas e de inscritos (1ª fase de concurso) e simulação de cenário sem cortes de 5% das vagas nas instituições públicas de Lisboa e Porto. Fonte: DGEEC.
Os dados da tabela mostram que, no total, houve menos 1228 alunos inscritos na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior no ano letivo 2018/19, quando comparado com o número de alunos inscritos no ano letivo anterior. Destes menos 1228 alunos inscritos, 275 dizem respeito a alunos de universidades públicas e 953 de politécnicos, a comparar respetivamente com menos 289 e menos 148 na simulação.
A Figura 1 ilustra a variação do número de alunos inscritos nas universidades públicas no ano letivo 2018/19 face ao ano letivo anterior.
Figura 1 - Variação do número de alunos inscritos nas universidades públicas na 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2018/19, face ao ano letivo anterior. Fonte: DGEEC
O ensino universitário de Lisboa e do Porto perdeu 782 vagas e 590 alunos (751 na simulação). Porém, 258 vagas e mais 151 alunos (212 na simulação) foram transferidos para as universidades de Aveiro, Minho e Coimbra, que não são “interior do país” e não têm grande dificuldade em atrair alunos. Outras 218 vagas foram atribuídas às universidades da Beira Interior, de Trás-os-Montes e Alto Douro e de Évora, que receberam mais 95 alunos (177 na simulação). As universidades do Algarve e da Madeira receberam 112 vagas, a que correspondem mais 91 alunos (59 na simulação).
Note-se que das 782 vagas retiradas às instituições universitárias de Lisboa e do Porto, apenas 588 foram redistribuídas dentro do ensino universitário, tendo 194 sido redirecionadas para o ensino politécnico. Em resumo:
A figura 2 ilustra a variação do número de alunos inscritos nos institutos politécnicos públicos no ano letivo 2018/19 face ao ano letivo anterior.
Figura 2 - Variação do número de alunos inscritos nos politécnicos públicos na 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2018/19, face ao ano letivo anterior. Fonte: DGEEC.
No caso do politécnico público, os politécnicos de Lisboa e do Porto perderam 235 vagas, a que se adicionam 49 vagas das Escolas de Enfermagem de Lisboa e do Porto e da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril. A estas 284 vagas somam-se 208 vagas adicionais, maioritariamente retiradas do ensino universitário. No entanto, o efeito real em termos de reforço das instituições do interior do país é mínimo, possivelmente devido à sua baixa capacidade para atrair alunos.
As instituições do interior receberam mais 245 vagas (55 para Beja, 95 para Bragança, 44 para Castelo Branco, 19 para a Guarda, 26 para Portalegre e 6 para Viseu). Contudo, os valores reais de alunos inscritos mostram que, no total destas instituições, houve uma redução de 248 unidades (-35 em Beja, -48 em Bragança, -18 em Castelo Branco, -79 na Guarda, -13 em Portalegre e -55 em Viseu). As únicas instituições que tiveram um aumento do número de alunos com algum significado foram o Politécnico do Cávado e Ave, com 23 alunos, e a Escola Náutica Infante D. Henrique, com 61 alunos. Aliás, não se compreende o aumento de 26 vagas em Setúbal, uma vez que a instituição está localizada dentro da região de Lisboa.
Em resumo:
Deve, no entanto, notar-se que a diminuição global de alunos que se inscrevem pela via do regime geral de acesso (-1228) acaba posteriormente por ser compensada pelo aumento do número de alunos inscrito por outras vias, sendo de destacar o aumento de alunos estrangeiros (+ 1068) e de alunos dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (+1441).
A transferência de 5% das vagas do ensino superior público de Lisboa e do Porto para outras instituições do país não promoveu, portanto, a mobilidade dos alunos. Os dados mostram que diminuiu em 1228 o número de alunos inscritos pela 1ª vez no 1º semestre do primeiro ano do ensino superior público, dos quais 275 nas universidades e 953 nos politécnicos. A simulação realizada para o ensino politécnico, que tem uma distribuição regional mais equilibrada do que o universitário, mostra que o efeito do corte das vagas em Lisboa e no Porto não produziu os efeitos desejados na distribuição dos candidatos por não evitar a diminuição dos alunos inscritos na generalidade dos politécnicos. Também a atribuição de vagas adicionais a instituições como a Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho e as localizadas na zona de Coimbra diminuiu o efeito desejado para o interior do país.
Em maio de 2019, o EDULOG apresentou publicamente o estudo "O impacto da redução de vagas em instituições de ensino superior na mobilidade dos alunos".
A 29 de maio de 2019, António Fontainhas Fernandes, Carla Sá, João Guerreiro e Pedro Dominguinhos debateram, no Auditório do Colégio Efanor, em Matosinhos, este tema.