Análise

O problema das reprovações

por Andreia Lobo


13 de novembro de 2019 |

A taxa de retenção em Portugal tem vindo a descer nos últimos cinco anos. Mas o problema não se esgota nos indicadores. O país continua a ser desafiado a encontrar novas formas de lidar com o insucesso.

A reprovação tem sido identificada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) como um dos problemas do sistema educativo português. Cerca de 34% dos alunos de 15 anos chumbaram pelo menos um ano, quase três vezes mais que a média da OCDE de 12%, mostrava o “Reviews of School Resources: Portugal 2018”, um relatório que analisa os pontos “fortes e fracos” da educação. Nestes últimos, o problema dos chumbos.

Argumentam os peritos da OCDE que em Portugal a reprovação está muito associada à ideia de que se combate o insucesso com aulas extras ou mais tempo de instrução, precisamente o contrário do que mostra a evidência. Por isso, a organização desafiava o país a questionar esta estratégia, segundo a lógica “se não resultou da primeira vez, com mais do mesmo obteremos um resultado diferente?”, e a encontrar outras formas de lidar com o insucesso dos alunos.

Que outras formas? A OCDE sugere, por exemplo, melhorar a formação dos professores; que os alunos possam ser orientados para escolas de segunda oportunidade (existem pelo menos duas no país, em Matosinhos e em Valongo); a identificação dos alunos em risco de insucesso e a intervenção precoce com profissionais bem treinados e também a limitação da reprovação a uma disciplina ou área específica, isto no 3.º ciclo e ensino secundário.

Os chumbos começam cedo no percurso escolar dos alunos portugueses. Em 2016, cerca de 9% dos alunos no 2.° ano - o primeiro no qual a reprovação é permitida - ficaram retidos, “solicitando da parte do Ministério da Educação necessidade de eleger como prioritária a intervenção neste nível de ensino”, nota a OCDE. Ora, uma das características da taxa de reprovação em Portugal é que apresenta variações regionais: é mais elevada nas regiões de Lisboa e Sul do que no Centro e Norte do país.

No que concerne às mais elevadas taxas de reprovação, encontram-se também diferenças substanciais entre escolas, sugerindo, segundo a OCDE, que, além das políticas educativas, também as práticas das escolas influenciam a reprovação em Portugal.

O que mostram os números?

Identifiquem-se, agora, os números nacionais que contornam o problema das reprovações. A leitura do “Educação em Números 2019”, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC), confirma um número decrescente de chumbos desde 2013/2014, tanto no ensino básico como no secundário. O ano letivo de 2017/2018 registou taxas de retenção e desistência - que incluem o ensino profissional - de 5,1% no ensino básico (2,8% no 1.º ciclo, 5,3% no 2.º ciclo, 7,8% no 3.º ciclo) e 13,9% no ensino secundário.

Taxa de retenção e desistência por ciclo de ensino. Fonte: DGEEC, 2019


As estatísticas em série dão uma visão da evolução deste indicador na última década. Os progressos são também mencionados no último “Estado da Educação 2017”. O relatório publicado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) apontava o ano letivo 2016/2017 como tendo a taxa de retenção e desistência - em todos os anos de escolaridade do ensino básico regular - mais baixa da década em cada um dos três ciclos.

Os números têm consequências. “A repetição de ano gera ineficiências no sistema educativo”, sublinha o “Reviews of School Resources: Portugal 2018”: atrasa a entrada no mercado de trabalho dos alunos que ficam retidos no ensino secundário, aumentando o número de alunos e, consequentemente, agravando os custos. Entre os alunos mais jovens, a reprovação tem um impacto insignificativo no desempenho. E quando existe algum pequeno impacto positivo no chumbo, acontece apenas entre as raparigas e na disciplina de matemática. É o que mostram estudos realizados nas escolas portuguesas.

Estudos à escala internacional confirmam que em Portugal a repetição é fortemente influenciada pelo estatuto socioeconómico do estudante. De acordo com o PISA 2015, mais de 50% dos alunos de 15 anos de meios carenciados repetem pelo menos uma vez de ano. Por outro lado, a probabilidade de reprovar é quatro vezes maior entre os alunos oriundos de contextos desfavorecidos do que entre os que provêm de contextos mais favorecidos.

O CNE, enquanto órgão consultivo, tem corroborado por diversas vezes a evidência veiculada pelos estudos da OCDE sobre a inutilidade e ineficácia da “cultura da retenção”. “Contrariamente a uma visão antiquada da escola e do seu papel, está demonstrado que a prática da retenção é socialmente injusta: Portugal é um dos países onde é mais forte a correlação entre o estatuto socioeconómico e cultural de pertença e os resultados escolares”, lê-se no “Estado da Educação 2017”.

O que tem sido feito?

No que concerne às políticas educativas, o “Reviews of School Resources: Portugal 2018” dá uma perspetiva do modo como, nos últimos 10 anos, sucessivos Ministérios da Educação têm tentado resolver o problema das reprovações associado ao abandono e ao insucesso escolar.

Começando em 2009, com a introdução do Programa Mais Sucesso Escolar, que se focava na redução do número de alunos por turma, na composição das turmas e na diferenciação do tempo de instrução para baixar as reprovações e melhorar o desempenho dos alunos.

Em 2013/2014, a OCDE identifica a criação de um sistema de monitorização do absentismo e dos resultados escolares. O objetivo era desencadear automaticamente respostas pedagógicas adequadas - como tempo extra de estudo e apoio direcionado - para alunos em risco de insucesso. No mesmo período, a OCDE recorda uma outra medida: o aumento do número de cursos vocacionais, dirigidos aos alunos do 3.º ciclo e secundário.

Entre as estratégias mais recentes, a OCDE destaca três medidas. O Apoio Tutorial Específico (2016), que consiste num espaço de apoio dirigido aos alunos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico que acumulem duas ou mais retenções, o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar e o Projeto-Piloto de Inovação Pedagógico (2016/2017), que dava mais autonomia curricular e de organização dos horários às escolas com vista a melhorar os resultados escolares e a reduzir a taxa de reprovação para zero, lançado a par do Projeto-Piloto de Autonomia e Flexibilidade Curricular.

Durante a primeira legislatura (2015-2019), o atual Governo comprometeu-se a reduzir para metade a taxa de abandono e de reprovação nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos. Na segunda legislatura (2019-2023), o problema continua a ser uma prioridade em matéria de política educativa, isto a julgar pelo que está previsto no Programa do Governo. O documento, conhecido no final de outubro, prevê a criação de um “plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”. Não será “uma mera eliminação administrativa da figura da retenção”, garantiu o Ministério da Educação.


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