Análise
por Andreia Lobo
25 de março de 2019 |
Acredita que “a complexidade da aprendizagem não poderia deixar a Psicologia indiferente”. Razão pela qual Diana Dias, especialista em Psicologia da Educação, escreveu o livro “Psicologia da Aprendizagem – Paradigmas, Motivação e Dificuldades” (Edições Sílabo). Em entrevista, a investigadora, que é também uma das coordenadoras científicas do projeto GPS4Success - Identificação Precoce de Alunos em Risco de (IN)Sucesso no 1.º ciclo do ensino básico, do EDULOG, argumenta que prevenir o insucesso escolar passa, “sobretudo”, por promover o bem-estar dos alunos nas escolas. Faz uma incursão por temas transversais ao processo de aprendizagem. Recorda algumas das teorias clássicas, mas desafia a novas formas de ensinar. Diz que “nem sempre os números que indicam a progressão dos alunos nos testes internacionais são reflexo de aprendizagens”. E questiona: “Temos uma população ativa de facto melhor preparada?”
EDULOG (E): Os alunos de hoje aprendem da mesma maneira que a geração dos seus avós aprendia?
Diana Dias (DD): A escola ensina coisas diferentes, portanto, as aprendizagens que despoleta são também diferentes. A tabuada continua ainda a ser muito trabalhada de forma rítmica, associando uma coisa à outra, sendo indiferente saber por que razão 5x5 são 25. A nossa caixa de ferramentas da aprendizagem não mudou com as gerações, as ferramentas que nos são pedidas é que são diferentes.
E: Ganha cada vez mais defensores a teoria da aprendizagem baseada em problemas. É uma “moda” educativa ou realmente é a melhor forma de aprender?
DD: O PBL (Problem Based Learning ou Project Based Learning) é um método de aprendizagem ativo. O aluno deixa de ter o papel de espetador e recetor e não vai a uma aula em que o professor vai para cima do estrado e expõe a matéria. O PBL não é tão recente quanto isso. A Maria Montessori (1870-1952) explicava conceitos de matemática dando às crianças várias frutas para com elas nas mãos verem quais eram as mais pesadas. Agora, ensinam-se frações com a pizza. Estas são, de facto, coisas muito próximas das crianças e que elas se apercebem e conseguem concretizar. Quando se ensina a crianças nos primeiros anos escolares o pensamento concreto é essencial, o pensamento abstrato só vem muito mais tarde. Só que o PBL não se consegue ensinar só assim. O Salvador Dali dizia que só pode ser surrealista depois de saber pintar lindamente de forma realista.
E: Quer dizer que a eficácia do PBL depende do ciclo de ensino em que é aplicado?
DD: Quanto maior é o conhecimento de base do estudante melhor é este resultado, mas implica sempre que haja algum conhecimento de base. E ainda que esse conhecimento de base possa ser incrementado, porque o aluno percebe que para resolver aquele problema tem de saber mais sobre aquele assunto e vai procurar mais.
Por um lado, o PBL implica uma disponibilidade do aluno para isso, porque muitas vezes os alunos também são preguiçosos e querem estar a ouvir; implica que os alunos façam muito mais e nem sempre eles estão preparados. Por outro lado, também implica mais do professor que perde o seu patamar mais alto, vai estar ao lado dos alunos e "sem rede" porque as perguntas dos alunos podem ser completamente diferentes daquelas que ele estaria preparado para apresentar num powerpoint. Falamos do PBL, mas não tarda nada chega [e ainda bem] à sala de aula o Storytelling.
E: Esses métodos de aprendizagem não colidem com a forma como se avaliam os alunos, com os testes de avaliação, os exames...
DD: Depende de como se faz o “ramalhete”. Para se fazer um bom "ramalhete" que corresponde ao exame final, o professor pode ensinar de forma a que os alunos consigam dar a resposta certa nos exames ou ensinar de forma a que os alunos aprendam. Com o PBL, o Storytelling, ou qualquer outro dos métodos de aprendizagem mais ativos, para que depois os alunos possam responder aos exames no final, é importante que o professor seja capaz de fazer os resumos do que lecionou, ver com os alunos o que aprenderam naquele dia. Mas ainda que o professor não faça isto, já fez uma coisa importante: ensinou os alunos a fazer o percurso de pensamento.
E: No seu livro aborda teorias mais tradicionais e mais inovadoras...
DD: No livro achei que era importante colocar os clássicos da aprendizagem. Mas hoje em dia, já não se aprende comportamentalmente. Quer dizer, aprende-se, quando dizemos aos nossos filhos “não fizeste isto, não vais ao cinema” ou “se fizeres isto, podes ir a tal sítio”, isto é comportamentalismo básico. Também se aprende com o humanismo que é mais baseado na capacidade de ver o outro e de estar com o outro. Uma perspetiva cognitivista, mais associada ao modo como as pessoas processam a informação, mas como se isso estivesse desajustado de tudo. E, depois uma perspetiva mais construtivista [que eu prefiro] e que acaba por ser uma integração de todas as outras. A aprendizagem é uma construção e vai sendo construída em função não só dos alicerces que lá estão. E aqui se eu pudesse escolher os alicerces da aprendizagem, para além da família e de toda a intervenção nos primeiros dias e meses são fundamentais em termos de estimulação infantil, escolheria o pré-escolar. Uma coisa que o pré-escolar faz muito bem é a aprendizagem não intencional que acaba por ser lúdica e, portanto, muito mais consubstanciada e muito emocional, muito personalizada, que é uma coisa que depois se perde.
E: É por aí que começam os problemas de insucesso?
DD: O 1.º ciclo, em particular, ganhava muito com a mudança da estrutura da própria sala de aula. Mas há aspetos a montante que podemos trabalhar para prevenir o insucesso. Promovendo o bem-estar do aluno na escola estamos a prevenir o insucesso escolar. Se a criança se sentir bem na escola, ajuda imenso a ela lá estar. Estamos a falar de infraestruturas, necessariamente, de sítios agradáveis, escolas bonitas que é uma coisa que às vezes não há. Escolas com as quais os alunos se identifiquem e onde tenham espaços para estar que sejam deles. Nos liceus norte-americanos a existência de cacifos que cada aluno decora à sua maneira significa “eu faço parte desta escola”. A capacidade de o aluno se identificar com a escola - ter a camisola, o hino da escola - e de ter orgulho na sua escola é muito importante e pouco trabalhado em Portugal. O ensino superior soube trabalhar estas questões, mas os outros níveis de ensino não.
E: Os exames condicionam a aprendizagem?
DD: A ideia de “dar a matéria” e de “cumprir a matéria” é errada. O professor tem de assegurar que os alunos aprendam e não formatá-los para os testes. Defendo que haja uma maneira de nivelar os alunos através de exames, porque sabemos que nem todas as escolas têm o mesmo grau de exigência, mas há um erro muito grande nos exames: o facto de serem formatados. O que é que os alunos fazem? Respondem aos exames dos anos anteriores, porque sabem que vai ser tudo mais ou menos da mesma maneira. Outra coisa que é preciso perceber é que a inovação e a criatividade fazem-se em cima de conhecimentos consolidados.
E: A retenção ajuda a consolidar os conhecimentos?
DD: Dar mais do mesmo se calhar pode funcionar, porque há variáveis que podem mudar, mas o que é dado não pode ser completamente igual, tem de acrescentar qualquer coisa.
E: Escreve no seu livro que sendo a aprendizagem um conceito fulcral no contexto da educação, “nem sempre tal valorização é percebida por parte dos decisores políticos e mesmo por parte de profissionais que fazem da educação o seu dia-a-dia”. O que quer dizer com isto?
DD: Os professores são fulcrais na aprendizagem. É preciso que se sintam bem: não é só serem bem pagos – é sentirem-se valorizados. Os decisores políticos têm uma importância muito grande de valorizar os professores, mas os professores também têm de se dar essa importância. Por exemplo, não aparecendo na televisão, única e exclusivamente, a reivindicar melhores salários e tempo de serviço. Há outras coisas que os professores poderiam reivindicar com toda a razão: melhores condições nas escolas, melhores infraestruturas, mais recursos…
Formação em pedagogia
E: Reconhece que há um défice de formação contínua na área da pedagogia?
DD: Não é um défice de informação sobre a pedagogia, há essencialmente um défice de reflexão sobre a pedagogia. Com exceção do pré-escolar, investe-se muito pouco quer na formação inicial dos professores, quer na formação contínua dos professores, e a pedagogia, em particular, é uma das áreas importantíssimas. Quando se diz a um professor que vai ter uma formação de pedagogia, 95% pensa que vai ouvir falar do Jean Piaget e do Albert Bandura, ou seja, dos clássicos… Por outro lado, os professores precisam de ter oportunidade de refletir sobre a possibilidade de fazer coisas diferentes.
E: No entanto, os alunos portugueses têm melhorado os desempenhos nos testes internacionais.
DD: Nem sempre os números que indicam a progressão dos alunos nos testes internacionais são reflexo de aprendizagens. De repente temos uma população ativa muito mais qualificada, mas teremos uma população ativa, de facto, melhor preparada? O insuflar de [qualificações] que foram estratégias como as Novas Oportunidades e os Maiores de 23... Foram ideias teoricamente fantásticas, outra história foi a forma como foram implementadas. Pior: em Portugal o problema não é só a forma como se implementam as medidas, é também a forma como não se acompanham as medidas.
A necessidade de que as pessoas aprendam é completamente ensombrada pela necessidade de ensinar e pela necessidade de números que façam estatísticas fantásticas sobre o país. O facilitismo que vamos incutindo na educação é quase o antónimo da promoção da aprendizagem. Não é verdade que dificultar torne a aprendizagem melhor, mas facilitar [não no sentido de ser facilitador, que isso é importante] no sentido de descomplexificar para obtermos um determinado resultado, também não. Por outro lado, é importante que quem está a aprender - sejam crianças, jovens ou adultos - tenha a ideia de que vale a pena aprender, que há vantagem em aprender. Mas esta é uma propaganda que não está a ser feita.
E: A escola tem de repensar a visão da aprendizagem, é isso?
DD: A escola tem de ser promotora de aprendizagem e não única e exclusivamente fornecedora de ensino. A aprendizagem tem de ser um tema mais discutido para as pessoas refletirem sobre o que é aprender. Depois, tem de haver estudos que vão além da parte cognitiva. A aprendizagem tem uma base emocional fortíssima e esta base emocional tem que ver com o bem-estar.
Como se aprende?
Diana Dias esclarece alguns factos em torno das questões da aprendizagem.
EDULOG: Aprender requer sempre motivação?Diana Dias: É preciso motivação para aprender quando há uma aprendizagem intencional. Mas se a motivação chegasse não era preciso existir uma lei que obriga as crianças a irem para a escola.
EDULOG: Para aprender basta esforço?
Diana Dias: Só me esforço se tiver motivação para me esforçar. Mas para aprendermos nem sempre precisamos de nos esforçar. A aprendizagem que fica mais consubstanciada é aquela que fazemos espontaneamente. A matéria que fica melhor aprendida foi a que ficou das aulas na cabeça do aluno, porque provavelmente foi ao encontro de alguma coisa que ele precisava ou já sabia. Por isso é muito importante trabalhar com as expectativas de quem está a aprender, sejam crianças, jovens ou adultos e dar-lhes hipóteses de eles se motivarem.
EDULOG: É preciso gostar das disciplinas ou das matérias ou podemos aprender sem gostar do que nos é ensinado?
Diana Dias: É importante fazer a distinção entre duas linguagens, uma racional e outra emocional, relativa ao gostar ou não gostar. Aprender é muitas vezes mais racional do que emocional. É uma necessidade que o indivíduo tem.
EDULOG: Memorizar é aprender?
Diana Dias: Memorizar é aprender, mas aprender não é apenas memorizar.