Análise
por EDULOG
19 de maio de 2021 |
Que tipo de currículos podem colmatar as lacunas de equidade e inclusão dos sistemas educativos? O relatório Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum, publicado este mês pela OCDE, identifica quatro tipos de inovações curriculares que sobressaem nos diversos sistemas educativos e oferecem a oportunidade de tornar as escolas mais equitativas e inclusivas.
“As circunstâncias sociais e pessoais não devem ser obstáculos para o sucesso dos alunos, mas ainda existem barreiras para tornar o currículo verdadeiramente inclusivo.” Ao olhar para os sistemas educativos dos 36 países membros e economias parceiras à lupa da equidade e da inclusão, a OCDE conseguiu identificar quatro tipos de inovações curriculares que “podem potenciar oportunidades e preencher lacunas de equidade, se cuidadosamente projetadas e implementadas”. Trata-se do currículo digital, o currículo personalizado, o currículo baseado em competências e conteúdos transversais e o currículo flexível.
Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum é o mais recente relatório da OCDE a merecer a atenção do EDULOG. Neste primeiro artigo, explicamos em que consistem estas inovações. Num segundo artigo, olhamos para os exemplos de como os diversos países estão a adaptar os currículos para garantir que nenhum aluno fica para trás.
Currículo digital
Que vantagens pode ter um currículo digital? Desde logo, responde a OCDE, “pode ajudar a reduzir as lacunas de equidade ao permitir que os alunos continuem a aprender fora da escola ou em áreas remotas e rurais”. Não faltam exemplos de tais circunstâncias: alunos hospitalizados por motivos de saúde, alunos que abandonaram o estudo ou estão a aprender em casa, alunos em campos de refugiados ou alunos que continuam a aprender durante desastres naturais ou pandemias, tal como aconteceu aquando do encerramento das escolas devido à covid-19.
Mas é condição fundamental para a implementação de um currículo digital que o acesso a dispositivos e conexão à Internet seja garantido. Por outro lado, é necessário superar barreiras colocadas aos alunos com deficiência física com recurso a tecnologia de apoio; motivar os alunos que parecem desinteressados em aprender com o uso de jogos e ferramentas interativas; e permitir que os alunos imigrantes tenham mais acesso a dicionários digitais e materiais de aprendizagem traduzidos.
Apesar das muitas vantagens, alerta a OCDE, “a utilização de um currículo digital acarreta riscos potenciais”. Logo à cabeça, surgem os problemas com as disparidades no acesso a software, hardware e conectividade à Internet e nos níveis básicos de literacia digital de alunos e professores. A OCDE lembra ainda que “as crescentes desigualdades no ensino em casa e ambiente familiar estão associadas ao aumento das discrepâncias na aprendizagem dos alunos e no seu bem-estar”.
Para enfrentar esses desafios, a OCDE recomenda que os países invistam na redução de lacunas em várias áreas. Por exemplo, sensibilizar professores e alunos para a importância dos valores humanos, mas também para as novas oportunidades trazidas pela transformação digital. Importa garantir acesso equitativo à infraestrutura (dispositivos digitais, uso de livros eletrónicos, materiais impressos, plataformas online) e apoiar os pais para garantir um bom ambiente de aprendizagem e bem-estar em casa. “Como a crise pandémica da covid-19 revelou, a atenção deve ser dada não apenas às lacunas observáveis - falta de computadores ou Internet limitada -, mas também a aspetos mais silenciosos e difíceis de observar (lacunas na motivação dos alunos que se podem desligar silenciosamente e desistir ao receber apenas instruções online)”, lê-se no relatório.
Currículo personalizado
Em que diferem um currículo tradicional e um personalizado? O currículo tradicional geralmente é projetado para que os professores ensinem o mesmo conteúdo a todos os alunos ao mesmo tempo e por meio da mesma instrução. A OCDE reconhece que “esta abordagem tem sido desafiadora, em particular para os alunos vulneráveis”. Porque “negligencia as diferenças nos níveis de proficiência, conhecimentos e competências anteriores e as necessidades e estratégias de aprendizagem”.
Ora, o currículo personalizado permite aos alunos algum grau de escolha, ao nível do conteúdo, do ritmo de aprendizagem e das atividades de aprendizagem e avaliação. Exemplos: a avaliação pode ser adaptada para apoiar os alunos a definir os seus objetivos de aprendizagem individuais, para fornecer feedback mais frequente e substantivo sobre o progresso e para diagnosticar potenciais dificuldades de aprendizagem. Deste modo, “os alunos tomam consciência dos seus interesses e talentos pessoais, entendem por que aprendem e fazem conexões entre a vida escolar e o seu próprio ambiente social e cultural”.
Esta abordagem coloca alguns desafios, adverte a OCDE. Desde logo, ao nível do rigor e da coerência, de modo a evitar a estigmatização. Ou seja, a ideia de que se trata de um currículo de “segunda categoria”, com frequência associado a baixas aspirações dos pais ou preconceitos dos professores. Por outro lado, é necessário garantir o alinhamento entre os padrões nacionais ou regionais e os conteúdos curriculares personalizados, pedagogias e avaliações adaptadas a diversos grupos de alunos. Sejam alunos com necessidades educativas especiais, imigrantes ou em risco de abandono. Outro desafio são os custos diretos e indiretos associados à implementação de currículo personalizado.
Currículo baseado em competências e conteúdos transversais
Ao oferecer experiências de aprendizagem mais envolventes e práticas para todos os alunos, os currículos baseados em competências e conteúdos transversais podem contribuir para a capacitação dos alunos e, deste modo, para aumentar a equidade. “Podem ajudar a preparar os alunos para a vida cívica, a saúde e o mercado de trabalho.”
Os alunos vulneráveis, sobretudo os de famílias com baixo rendimento e de origem migrantes, podem beneficiar deste tipo de currículo, refere a OCDE, uma vez que lhes permite, por exemplo, aprender ao mesmo tempo ciências e matemática em ambientes da vida real e através da colaboração entre os alunos. No entanto, “é importante ter em conta que diferentes pedagogias funcionam para diferentes alunos com diferentes objetivos; a meta-análise mostrou que o ensino explícito pode ser uma estratégia de instrução eficaz no ensino de competências de pensamento crítico”, lê-se no relatório.
A OCDE recomenda cuidado com a “falsa dicotomia entre conhecimento do conteúdo e competências”. Os currículos baseados em competências e conteúdos transversais devem “valorizar o desenvolvimento de competências em termos gerais - conhecimento, competências, atitudes e valores - nas áreas de aprendizagem”, recomendam os peritos. E não devem ser vistos como uma medida de equidade dirigida apenas a certos grupos de alunos, o que convida à segregação.
“A menos que seja projetado de maneira adequada, pode criar mais pressão para sobrecarregar ainda mais o currículo.” Por isso, adverte a OCDE, trata-se de um tipo de currículo que “requer julgamento profissional e experiência dos professores para determinar que tipo de estratégia de ensino funciona melhor para diversos alunos”.
Currículo flexível
Ensinar de maneira diferente, com outros conteúdos e mais tempo para aprender, avaliar os alunos de acordo com as suas necessidades são algumas das potencialidades de um currículo flexível. Mas existem algumas preocupações quanto à forma como os currículos flexíveis são usados e às diferenças regionais e locais que daí poderão surgir, diferenças até ao nível do investimento, tanto nas escolas como nos professores. Diferenças que “podem inadvertidamente aumentar as lacunas de equidade”.
Ora, para conter esses riscos, alguns países tentam reservar currículos flexíveis para grupos específicos de alunos, como minorias linguísticas e alunos com fracos desempenhos. Outros países encorajam as escolas a serem flexíveis e proativas para apoiar os alunos de origens desfavorecidas, através do uso de planos educacionais individuais.
A OCDE reconhece que a investigação na área da flexibilidade curricular “é limitada” e que “os resultados disponíveis sobre as várias formas de flexibilização são ambivalentes”. Exemplo? A flexibilidade nos conteúdos, pode inadvertidamente ter um efeito negativo nos desempenhos dos alunos e gerar lacunas de equidade entre grupos de alunos. “Por isso, é importante que a flexibilização curricular seja discutida no contexto da autonomia curricular, delegando às entidades locais a responsabilidade de tomar decisões informadas, sendo informadas da realidade dos alunos.”