Análise

Ensino superior: a batalha do acesso e do sucesso

por Leandro Almeida | Presidente do Instituto de Educação da Universidade do Minho


27 de junho de 2019 |

Intervenção pública na EDUTalk

Estatísticas nacionais e internacionais confirmam que o primeiro ano no ensino superior é crítico para a permanência e o sucesso dos estudantes. Quem entra com classificações mais baixas tende a ter maior dificuldade em acompanhar os estudos, correndo mais riscos de abandonar a instituição. Leandro Almeida, presidente do Instituto de Educação da Universidade do Minho, questiona-se sobre como garantir que as oportunidades de acesso se traduzem em oportunidades de sucesso, sublinhando que os estudantes com menos recursos precisam de mais atenção por parte das instituições.

Em Portugal temos um problema geral no que concerne aos baixos níveis de escolaridade e de literacia da população, em particular da população mais adulta cujos filhos acedem agora ao ensino superior. Ao nível de estudantes ingressantes, temos uma percentagem muito elevada de estudantes de primeira geração. São estudantes que tendencialmente não têm uma retaguarda académica familiar que seja compatível com aquilo que são os desafios e as exigências do ensino superior. É evidente que o ensino superior se pode adaptar, trabalhar ou modificar no sentido de ir ao encontro destes estudantes, mas também não pode alterar a sua missão sob forma de não corresponder aos objectivos sociais. O primeiro ano no ensino superior, nomeadamente em relação a estudantes que provêm de estratos sociais de menores recursos culturais e económicos, é um período probatório muito significativo. As estatísticas nacionais e internacionais apontam que é um ano crítico para a permanência e sucesso dos estudantes no ensino superior.

Muitas vezes, os estudantes provenientes dos estratos sociais menos favorecidos ingressam com níveis mais baixos de literacia e numeracia, hábitos de trabalho por vezes também não muito apetrechados em termos de estratégias e de motivação, baixa autorregulação e baixa autonomia. São estudantes que não têm os recursos pessoais suficientes e carecem de uma atenção por parte das instituições, dos professores e dos serviços de apoio, no sentido de alguma aproximação entre aquilo que são estas características e aquilo que são as exigências do curso e do ensino superior em geral.

[Na Universidade do Minho] temos implementado um observatório das trajetórias académicas verificando que alguns estudantes entram com expectativas um pouco irrealistas. Na verdade, é necessário que o estudante traga algumas aspirações para o ensino superior e algumas expectativas positivas para enfrentar os desafios. Alguns trazem expectativas muito baixas, e isso à partida não é suficiente para corresponderem às necessidades e às dificuldades, contudo outros trazem expectativas irrealistas porque, mais uma vez, o contexto familiar deles não os ajudou a explorar, a conhecer, a ter vivências que lhes permitissem ter uma visão mais adequada, ou uma postura mais preparada e autónoma para lidar com as tarefas do ensino superior. Uma postura que lhes permitisse enfrentar as dificuldades na adaptação, que não são apenas ao nível académico, mas também ao nível interpessoal e emocional.

Em relação aos jovens provenientes de estratos sociais menos favorecidos, os desafios da transição podem exceder os recursos pessoais de que dispõem e é fundamental apoiá-los. Algumas vezes os docentes ou os estudantes mais velhos – através de esquemas de mentorado e acompanhamento semanal dos trabalhos – conseguem ajudar estes jovens que progressivamente adquirem competências e se vão integrando. Há relatos a nível nacional de boas experiências no acolhimento institucional na lógica de capacitar – não é de diminuir as dificuldades! – os estudantes que ingressam, ajudando-os a serem mais autónomos e mais competentes para enfrentarem as tarefas e exigências que encontram na sua adaptação ao ensino superior.

Bolsas têm papel importante

Em algumas instituições que não estão concentradas nos grandes centros do Porto e Lisboa, as bolsas acabam por ter um papel muito importante. Uns anos atrás, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) patrocinou um estudo que envolvia as universidades de Évora, Lisboa, Porto e Minho. Não se tendo um indicador de nível socioeconómico em termos de profissão e rendimento, dispunha-se do nível de habilitações académicas dos pais. O estudo sugere que no primeiro ano o abandono – quando não é mudança de curso que o aluno faz estrategicamente porque não frequenta o curso que quer, e no ano a seguir procura mudar de curso na mesma instituição ou noutra – estava associado a baixos níveis de habilitações dos pais. O aluno que abandonava o ensino superior tinha maior probabilidade de ter pais com baixas habilitações académicas. Interessante é que passado três, quatro e cinco anos – porque o estudo acompanhou a formação dos alunos que entraram em 2009/2010, nestas instituições – verificou-se que se atenuava fortemente o impacto da origem social, mais uma vez em termos das habilitações académicas dos pais, no abandono e aparecia uma taxa de conclusão de cursos muito similar nos vários grupos constituídos ou até se invertia aquela relação. Como explicação, verificou-se que a bolsa de estudos era um fator determinante do sucesso e permanência do estudante, ou seja, parece ser uma variável com efeito relevante no trabalho do aluno. O aluno procura cumprir aquilo que são as metas para poder beneficiar deste recurso financeiro e concluir a sua formação.

A fragilidade associada à sua origem social

Se me pergunta se “o berço ainda é importante”, tendo a considerar que sim, mesmo não podendo ser deterministas. De facto, as discrepâncias existem. As oportunidades educativas nos ambientes familiares com menos recursos sociais, económicos e culturais, as experiências que os jovens têm, os projetos que os alunos formulam para o seu futuro, os projetos vocacionais e de carreira são bastante diferenciados face aos colegas de estratos sociais mais favorecidos. Alguns jovens entram fragilizados no ensino superior e essa fragilidade está muito associada à sua origem social. As vivências que tiveram, as confrontações que tiveram, as oportunidades que tiveram de dialogar com vários intervenientes, por exemplo professores e pais, são muitas vezes mais reduzidas em quantidade e qualidade e, portanto, entram mais fragilizados em termos dos seus recursos pessoais.

Quanto à questão colocada sobre para que serve o ensino superior? Qual é a mais valia que se tira da formação? Estes jovens muitas vezes questionam isso, até pela origem social que têm. Qual é o real ganho que terei a partir desta formação e deste investimento que eu tenho de fazer? Sem esse investimento justificado nada feito. E isto não é para ser feito só no ensino superior – tem de ser feito nos anos escolares anteriores.

Há uns anos a Universidade do Porto, a Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro e a Universidade do Minho com as três universidades parceiras da Galiza (Vigo, Santiago e Corunha) fizeram um estudo com adolescentes a concluir o ensino básico. Partindo da ideia de proximidade sociocultural que toda a gente reconhece e fala entre o norte de Portugal e a Galiza, fomos analisar os hábitos de trabalho, o rendimento escolar, as habilidades cognitivas e as motivações desses alunos. O efeito da classe social – neste caso, tínhamos mesmo uma profissão dos pais – era maior no norte de Portugal do que na Galiza. A classe social, no caso destes adolescentes portugueses, marcava muito mais diferenças nessas variáveis psicológicas e socioeducativas do que na Galiza. Ou seja, efetivamente, em Portugal, por detrás da realidade social e económica, também existe uma realidade cultural e educativa que, eventualmente, noutros contextos estará mais atenuada e talvez o peso do berço não seja tão forte nessas realidades como parece acontecer no nosso país.

[Texto adaptado da intervenção pública na Edutalk que decorreu no dia 26 de junho de 2019, no Auditório do Colégio Efanor, em Matosinhos.]


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