Estudos
por EDULOG
30 de novembro de 2021 |
O contexto socioeconómico é um dos fatores que mais impacta as taxas de abandono no ensino superior, bem como a entrada no mercado de trabalho. Inverter a situação passa por “alterar as condições de atribuição de bolsas de ação social e do seu valor, intensificar o trabalho de complementaridade entre as instituições de ensino e o mercado de trabalho e reforçar a oferta formativa”, alertam os investigadores do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES) que realizaram o mais recente estudo do EDULOG sobre equidade no ensino superior.
O estudo “Estudantes nacionais e internacionais no acesso ao ensino superior” teve como principal objetivo “perceber se a massificação do acesso ao ensino superior tem contribuído ou não para colmatar desigualdades no acesso, sucesso e permanência/abandono dos estudantes”. Agora, os resultados obtidos mostram que a expansão do ensino superior em Portugal não se traduziu na eliminação das desigualdades, sendo o contexto socioeconómico o fator que mais as promove.
Quem são os candidatos
Os números revelam que dos 67.671 candidatos ao Concurso Nacional de Acesso em 2020, perto de 14% não foram colocados em qualquer instituição de ensino superior público. Deste total, a maioria é proveniente de cursos científico-humanísticos (95,2%). Os estudantes de Lisboa e Porto, os distritos com maiores proporções de candidatos, estão sobre representados entre os que não conseguem colocação. Em 2020, os candidatos destes dois distritos representavam cerca de 44% do total, mas cerca de 62% dos não colocados. Este facto cria um dilema, “havendo que escolher entre o aumento do número de vagas em Lisboa e Porto, o que poderá contribuir para o esvaziamento de cursos em outras regiões, nomeadamente no interior, ou conter as vagas em Lisboa e Porto com manifesto prejuízo dos alunos locais. Esta escassez de vagas públicas explica a concentração da oferta privada em Lisboa e Porto”, exemplificam os autores do estudo.
Escolha? Nem por isso
As escolhas dos estudantes candidatos ao ensino superior são influenciadas pelo contexto socioeconómico de onde provêm. “Por um lado, as notas obtidas no ensino secundário e nos exames nacionais estão fortemente correlacionadas com o contexto socioeconómico familiar e alunos com melhores notas de candidatura podem candidatar-se aos cursos mais seletivos que, regra geral, são oferecidos pelas universidades. Por outro lado, os estudantes de contextos mais desfavorecidos terão mais dificuldade em suportar os custos associados à frequência de uma instituição privada, ou de suportar os custos de mobilidade e o nível de vida em algumas cidades”, sublinham os autores do estudo.
Os investigadores concluem que o contexto socioeconómico dos estudantes varia com as áreas de formação. Ou seja: em média, nos cursos das áreas CTEM, a quota de estudantes de contextos socioeconómicos mais favorecidos é superior à das restantes áreas.
Abandono afeta mais o politécnico
O estudo EDULOG mostra também que a taxa de abandono difere entre subsistemas, sendo, em média, menor no sistema universitário do que no ensino politécnico. “É mais baixa nos cursos de Mestrado Integrado (3,5%) e de Licenciatura de 1º ciclo (8,8%), e mais elevada nos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) e Mestrados de 2º ciclo, com 18% e 15,8% dos estudantes matriculados em 2018/19 e 2019/20, respetivamente. Já as áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática apresentam taxas de abandono inferiores (5,7%), quando comparadas com as restantes (9,7%).”
No que toca à decisão de um estudante permanecer ou abandonar o ensino superior, o estudo mostra que “quanto menos favorecido é o contexto socioeconómico do estudante, maior é a taxa de abandono”. A satisfação do estudante é também um fator favorável à sua decisão de permanência no curso.
“Por um lado, o abandono é menor nos cursos em que mais alunos são colocados na sua primeira opção. Por outro lado, os cursos com maiores quotas de estudantes insatisfeitos com a situação de mobilidade, seja porque estão deslocados quando não queriam, seja porque queriam estar deslocados, mas não conseguiram sair de casa dos pais, são os que perdem mais estudantes em resultado de transferências ou mudanças de curso”, notam os investigadores.
Em Portugal, entre os fatores responsáveis pelo abandono estão as condições socioeconómicas do País e das famílias. “As contribuições das famílias para os custos do ensino superior têm um peso no seu orçamento superior à média da UE, o que é agravado pelas menos boas condições socioeconómicas das famílias portuguesas, sobretudo nas regiões do interior do País. Com a perceção de que se trata de um investimento com retornos incertos no longo prazo, muitos indivíduos são forçados a entrar mais cedo no mercado de trabalho para aumentar o rendimento familiar”, consideram os investigadores.
Na entrada para o mercado de trabalho são também identificadas desigualdades. “Os estudantes de contextos desfavorecidos enfrentam maior risco de desemprego, sugerindo que o ensino superior pode nem sempre cumprir o seu papel de promotor da mobilidade social. Em média, os estudantes que terminam a sua formação académica em universidades públicas tendem a ter uma menor propensão ao desemprego do que os dos politécnicos públicos”.
Porque é que esta diferenciação ocorre? “Pelo facto de os institutos politécnicos receberem estudantes de contextos socioeconómicos mais diversos, sendo uma maior propensão ao desemprego um reflexo das desigualdades já existentes no momento do acesso, e não uma falha do ensino politécnico no cumprimento da sua missão.” Mas existem outros fatores, como “uma menor propensão para o desemprego em cursos com mais vagas ou com uma maior proporção de estudantes provenientes do concurso de acesso para maiores de 23 anos”, aponta o estudo.
Para Alberto Amaral, membro do conselho consultivo do EDULOG, “esta investigação deverá servir como ponto de partida para uma reflexão mais alargada sobre o papel que o ensino superior tem (e deverá ter) na redução das desigualdades. Vivemos, atualmente, numa fase de recuperação económica, que acredito poder ser uma janela de oportunidade para reformarmos o nosso sistema de ensino, de modo a tornar a nossa população mais qualificada e, consequentemente, a nossa economia mais competitiva”. Para isso, acrescenta, “é necessário promover a concertação entre o decisor político e as instituições de ensino superior, que objetive um acesso equitativo a universidades e politécnicos e a criação de mecanismos que reduzam as taxas de abandono”.
Mudar as políticas públicas
Face aos resultados obtidos, uma pergunta se coloca: Como se inverte esta situação? “A falta de equidade no ensino superior não é um problema fácil de resolver, nem é uma exclusividade portuguesa”, começa por salientar Alberto Amaral. O estudo EDULOG “Estudantes nacionais e internacionais no acesso ao ensino superior” não faz apenas o retrato da realidade, mas apresenta um conjunto de recomendações ao nível das políticas públicas.
Desde logo, a alteração das condições de atribuição de bolsas de ação social, incluindo o seu valor, de modo a alargar o número de estudantes elegíveis. Mas também a intensificação do trabalho de complementaridade entre as instituições de ensino superior e o mercado de trabalho, para se conseguir uma melhor integração das alunos no emprego; o reforço da oferta formativa no ensino superior, para acompanhar o aumento do número de candidatos; o reforço dos processos de orientação das escolhas dos estudantes, ainda no ensino secundário; e a aposta em ações de sensibilização para os estudantes e famílias de contextos mais desfavorecidos, com o propósito de demonstrar os benefícios do ensino superior.
Estudantes internacionais
O estudo EDULOG olhou também para a situação dos estudantes internacionais inscritos no ensino superior português. Quis analisar a sua evolução, compreender as motivações, estratégias, fatores de atratividade e os desafios das instituições de ensino superior no recrutamento de estudantes internacionais.
Além da duplicação do número de estudantes estrangeiros na última década, muito ficou por resolver, nomeadamente devido à não aplicação das recomendações do relatório MADR/MEC, revela o estudo. “No ano letivo 2019/20, existiam 48.649 estudantes internacionais [de grau] dos quais 35.476 (72,92%) provenientes de países da CPLP e Brasil (40,63% do Brasil e 32,29% dos PALOPs), ou seja, estudantes que falam português. Estes dados podem ser consultados no edustat.pt.
Dos restantes 13.173 estudantes de outras proveniências (27,08%), 5.608 (11,53%) vêm de Espanha, França, Itália e Alemanha, havendo comunidades importantes de luso-descendentes em pelo menos alguns destes países. Isto significa que se mantém uma das fragilidades do processo de internacionalização resultante da fraca oferta de ciclos de estudo na língua inglesa. Esta questão foi abordada nas recomendações do relatório MADR/MEC, aparentemente sem grandes resultados.”
Ao nível das motivações para o recrutamento de estudantes estrangeiros, os investigadores encontram razões culturais e académicas, “ainda que algumas identifiquem razões económicas e de sustentabilidade como o principal motivo para a sua internacionalização”.
De facto, “em 2014 houve dois desenvolvimentos significativos: por um lado, a aprovação do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março que definiu o estatuto do estudante internacional (EEI); por outro lado, foi publicado, em maio, o relatório Uma Estratégia para a Internacionalização do Ensino Superior Português, da autoria de uma comissão mista do Ministério Adjunto e do Desenvolvimento Regional (MADR) e do Ministério da Educação e Ciência (MEC)”, salientam os autores do estudo.
A burocracia na obtenção dos vistos dos estudantes extracomunitários, pelo facto de nunca tendo sido implementada a VIA VERDE proposta pelo relatório MADR/MEC, e a ausência de uma coordenação nacional entre os organismos intervenientes no percurso dos estudantes internacionais são alguns dos desafios identificados pelo EDULOG nesta matéria. Mas, “também, existem dificuldades de recrutamento de estudantes da União Europeia (UE), explicitamente excluídos da aplicação do estatuto do estudante internacional, o que cria problemas nas vias de acesso destes estudantes”, alertam.
Além disso, acrescentam os investigadores, “o estatuto do estudante internacional exclui os estudantes internacionais da contabilização para a fórmula de financiamento e da atribuição de bolsas de estudo (exceto estudantes da CPLP), o que coloca as nossas instituições em clara inferioridade num mercado de ensino superior concorrencial e globalizado”.
Alberto Amaral considera que “com o gradual decréscimo da taxa de natalidade em Portugal, e consequente redução de jovens portugueses a ingressar no ensino superior a médio prazo, torna-se evidente que a internacionalização do ensino superior português passará a ser uma das principais estratégias de suporte à sustentabilidade das instituições, e por isso é imperativo começar a adotar medidas que mitiguem as dificuldades no desenvolvimento internacional do nosso sistema de ensino”.
Como medidas a adotar, o EDULOG recomenda: um maior investimento no financiamento da investigação académica, de forma a melhorar a visibilidade internacional do país a nível científico; a promoção de uma oferta formativa em inglês, para atrair estudantes além dos provenientes dos países de língua oficial portuguesa; a criação de um “visto de estudante”, com base numa burocracia; o incentivo da coordenação nacional entre os diversos organismos intervenientes no percurso dos estudantes internacionais (instituições de ensino superior, embaixadas, a entidade que substituir o SEF e as Finanças).
A apresentação pública do estudo, que contou com Carla Sá (investigadora), António Fontaínhas Fernandes (Presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior), Alberto Amaral (Conselho Consultivo do EDULOG) e os deputados Tiago Estêvão Martins (PS) e Cláudia André (PSD), da Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto, poderá ser revista aqui.