Estudos

Atlas da Educação 2017: Diferenças territoriais persistem, apesar do desenvolvimento educativo “notável”

por EDULOG


2 de março de 2018 |

A escolarização aumenta, fruto da redução significativa do abandono escolar. Melhoram os desempenhos dos alunos, mas a retenção agrava-se no ensino secundário. Persistem diferenças territoriais no mapa educativo português. Professores e famílias preferem as escolas das áreas urbanas, com as melhores reputações. A autonomia é vista como uma “quimera”, perante “frágeis culturas de escola”.

Entre 1991 e 2011, o desenvolvimento educativo “é, a todos os títulos, notável”. A frase ressalta no último relatório “Atlas da Educação 2017- Contextos sociais e locais do sucesso e insucesso”. A escolarização da população aumentou de pouco mais de quatro para sete anos. Neste século, foram as mulheres que mais contribuíram para esse aumento. Esbatem-se as desigualdades de género, aumentam as espaciais. A escolarização difere quando se comparam zonas urbanas e rurais, centro e litoral. Em vinte anos, baixou muito o número de jovens que abandonava a escola antes dos 15 anos e sem completar o ensino secundário. Mas há realidades difíceis de mudar. A origem social dos alunos continua a influenciar o sucesso escolar, mais até do que a dimensão dos agrupamentos e das turmas.

O “Atlas da Educação 2017”, publicado pela associação EPIS – Empresários Pela Inclusão Social e coordenado por David Justino e Rui Santos, numa parceria com o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, apresenta um retrato exaustivo sobre o insucesso escolar, analisando variáveis sociais, organizacionais e geográficas.

Maior escolarização no litoral

A escolarização é mais evidente nas duas áreas metropolitanas, nas cidades capitais de distrito e nas áreas litorais com maior densidade urbana. Persiste uma grande diferenciação territorial. O litoral centro e norte destacam-se por níveis mais elevados de sucesso na transição de ano ou conclusão de ciclo no ensino básico; por outro lado, o interior e sul do país apresentam áreas de baixo sucesso logo desde os ciclos iniciais de escolaridade.

Ainda assim, há concelhos e escolas que contrariam as previsões dos modelos estatísticos e onde o desempenho escolar é superior ao expetável. Estas escolas, “conseguem superar os constrangimentos sociais e acrescentar valor na aprendizagem dos alunos”. Essencialmente, situam-se nas periferias das grandes cidades, no norte litoral, mas encontram-se dispersas um pouco por todo o país.

O desenvolvimento educativo da população vê-se quando se comparam as gerações de pais e filhos. Na década de 90, os pais das crianças que obrigatoriamente estudavam até ao 9.º ano tinham o 6.º ano de escolaridade. Hoje, a geração de pais das crianças e dos jovens que vão estudar até ao 12.º ano já têm uma escolarização média ao nível do 10.º ano.

A progressiva redução do abandono escolar, entendido como o incumprimento da antiga escolaridade obrigatória até aos 15 anos, e do abandono escolar precoce, ou seja, a escolarização inferior ao ensino secundário entre os jovens adultos, foram, segundo os autores do “Atlas”, “um dos contributos mais relevantes para a redução das desigualdades educativas”.

Durante os anos 90, a taxa de abandono escolar baixou para níveis residuais e a taxa de abandono precoce da educação foi reduzida para cerca de um terço. Sobretudo devido à permanência das mulheres na escola: a taxa feminina de abandono precoce da educação situou-se, ao longo de todo o período, mais de 10% abaixo da masculina. Os rapazes, nas regiões menos urbanas, continuam a ter menor propensão do que as raparigas para o prosseguimento de estudos, embora essa diferença se tenha atenuado entre 2001 e 2011.

A evolução da taxa da retenção não apresenta o mesmo dinamismo, lê-se no relatório. O atraso etário dos alunos que frequentam cada ciclo de escolaridade indica a acumulação do insucesso escolar entre a população que frequenta esse ciclo. Mesmo a decrescer, a redução da taxa de retenção “foi modesta, sugerindo uma forte persistência da retenção, logo desde os ciclos de escolaridade iniciais, nas trajetórias escolares das crianças e dos jovens que frequentaram a escola ao longo destes vinte anos”. Em 2011, 13% das crianças que frequentavam o1.º ciclo tinham idade superior à normal para a sua conclusão, no ensino secundário essa taxa ascendia a 39%. O prolongamento da trajetória escolar além da idade normal para a conclusão do 12.º ano, acontece “certamente, em parte, fruto do aumento da sua resiliência face ao abandono escolar”, explicam os autores do estudo.

“Determinismo social pode ser contrariado”

A importância do contexto social e do contexto de aprendizagem no desempenho escolar está bastante descrita na literatura científica. A investigação, realizada para o “Atlas da Educação”, confirma essa relação, em particular no que concerne à variação dos resultados nos exames nacionais e de outros indicadores de resultados que deles dependem mais diretamente. “O poder explicativo das variáveis sociais é elevado, considerando a avaliação realizada para outros países”, escrevem os investigadores. No entanto, há situações de sucesso que estas variáveis não conseguem explicar. “a “O que afasta uma leitura fatalista dos efeitos de contexto social nos resultados escolares.”

A escolaridade das mães tem um papel determinante. “O capital escolar familiar (percentagem das mães dos alunos com habilitações de ensino superior) revela-se o mais forte preditor dos resultados. O seu poder explicativo é crescente à medida que subimos nos ciclos do ensino básico. Regista uma ligeira quebra no ensino secundário, o que levanta a hipótese de um processo de seleção crescente durante o ensino básico e o próprio ensino secundário, reduzindo tanto a heterogeneidade social, como os seus efeitos entre os alunos que chegaram a prestar exames neste nível de ensino”, lê-se no relatório.

O desempenho dos alunos imigrantes também é analisado. As escolas na área metropolitana de Lisboa e no Algarve revelam maior incidência de alunos de origem imigrante (com dupla nacionalidade ou outra nacionalidade), mas é na região algarvia que estão mais concentrados: 28% destes alunos concentram-se em apenas 5% das escolas; 71% em 25% das escolas; e 90% em 50% das escolas.

O estatuto imigrante está a condicionar o sucesso destes alunos. “O efeito negativo sobre os resultados escolares é considerável, mesmo após controlados os efeitos dos outros fatores socioeconómicos, o que denuncia problemas de adaptação linguística, social e cultural destas crianças, frequentemente cumulativos com outros fatores de desvantagem, e a dificuldade do sistema educativo em lidar com esses problemas”, lê-se no relatório.

Maus resultados com a concentração de estudantes imigrantes num número reduzido de escolas, pode significar a segregação de alunos e de escolas, sobretudo nos três ciclos do ensino básico. Qualquer intervenção para a promoção do sucesso escolar terá, assim, de encontrar respostas específicas para combater a segregação. “As que foram adotadas até ao presente não mostram ter sido suficientemente eficazes para prevenir a guetização escolar e social destes alunos”, critica-se.

A carência económica familiar, medida pelo número de alunos beneficiários de apoio social escolar do escalão A, tem também um efeito negativo sobre os resultados escolares. Isto apesar de o seu impacto ser inferior ao da escolaridade das mães e do estatuto imigrante, e mais relevante no ensino secundário. No entanto, “o determinismo social pode ser contrariado”, defendem os autores do estudo, argumentando que “a escola pode fazer a diferença, como fica bem patente na identificação, quer dos concelhos, quer das escolas/agrupamentos que, não obstante os contextos socialmente desfavoráveis onde se inserem, obtêm bons resultados escolares”.

Na verdade, o relatório identifica casos onde o desempenho escolar é bem superior ao que seria expectável. “Isto sugere que há escolas que conseguem superar os constrangimentos sociais e acrescentar valor na aprendizagem dos alunos.” Onde se localizam? Predominantemente nas periferias das grandes cidades, em número considerável no norte litoral, mas também dispersas um pouco por todo o país. O que fará a diferença? “A primeira hipótese explicativa é o da disponibilidade de recursos e da forma como eles são mobilizados e organizados para a promoção da qualidade das aprendizagens”, avançam os autores do estudo.

O “Atlas da Educação” mostra ainda que o peso das variáveis organizacionais, como dimensão dos agrupamentos e das turmas, sobre os resultados escolares é bem mais reduzido que o das variáveis sociais. No entanto, essa constatação, alertam os autores, “não permite concluir que um aumento ou uma redução de alunos por turma possa contribuir para melhorar ou piorar os resultados”. Até porque algumas das escolas ou agrupamentos com melhores resultados são, precisamente, os que apresentam turmas maiores, pela simples razão que são mais procuradas e frequentadas por alunos oriundos de estratos sociais elevados. Geograficamente, essas escolas tendem a situar-se nos concelhos mais povoados e com um nível de urbanização elevado.

Estabilidade e experiência do corpo docente

Não existem indicadores para avaliar a qualidade do ensino e dos professores no “Altas da Educação”. Mostram-se apenas dados que expressam a maior ou menor estabilidade do corpo docente (medida pela percentagem de professores do quadro) e a sua maior ou menor experiência (medida pelos anos de serviço). Quanto mais se avança nos níveis de ensino, maior é a concentração dos docentes do quadro nas áreas metropolitanas e na faixa litoral a norte do Tejo.

Vejam-se alguns exemplos: no 1º ciclo, os docentes do quadro mais jovens tendem a concentrar-se nas áreas mais urbanizadas, onde existem mais oportunidades de vagas; nas zonas rurais predominam os docentes com mais idade e tempo de serviço, “ancorados em contextos locais que não propiciam a renovação”. Pelo contrário, no 3º ciclo e no ensino secundário, os professores do quadro mais experientes tendem a concentrar-se nas áreas metropolitanas e na faixa litoral. Verifica-se o mesmo padrão de distribuição espacial nos professores contratados.

Famílias e professores tendem a concentrar a escolha das escolas, respetivamente, para matricular os filhos ou para lecionar, nas áreas urbanas e, dentro destas, nas escolas mais reputadas em detrimento das que se inserem em contextos sociais periféricos e mais desfavorecidos. Gera-se, deste modo, “um duplo efeito de discriminação das escolas”, alertam os autores do “Atlas da Educação”.

Quanto à cultura organizacional escolar, outra variável à qual a literatura científica tem dado especial atenção, a investigação não permitiu identificar diferenças significativas entre estabelecimentos de ensino. “A partir desta constatação, diríamos que estamos perante frágeis culturas de escola – das que conseguem construir uma marca distintiva – e uma forte cultura escolar, comum à maior parte dos agrupamentos selecionados para a amostra, fortemente sustentada e condicionada pelo poder regulatório da administração educativa”, lê-se no relatório.

Para os autores, esta homogeneidade da cultura escolar tem uma consequência óbvia: “A ideia de autonomia das escolas, assente no desenvolvimento de culturas organizacionais próprias, parece ainda uma quimera, que uma abundante retórica alimenta”, concluem.

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