Estudos

Ascensão e queda das escolas primárias de área aberta

por EDULOG


3 de abril de 2017 |

Entre 1950 e 1986 assiste-se em Portugal à criação, difusão e queda das políticas públicas que levam à construção das escolas de área aberta no ensino primário público. Ana Patrícia Tavares de Almeida, investigadora da Universidade de Lisboa, faz uma genealogia dos três períodos em que se desenvolveram estas políticas de construção.

O desenho destas escolas, que concebia salas de aula flexíveis e introduz a sala polivalente enquanto “centro social da escola”, pretendia por o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem. Também permitir o trabalho individual e em grupo numa variedade de atividades. Na tese de doutoramento, “Atores, Regulação e Conhecimento nas Políticas Públicas de Construções Escolares em Portugal: as Escolas de Área Aberta”, defendida em 2015, Ana Patrícia Tavares de Almeida, investigadora da Universidade de Lisboa, traça um retrato da expansão, contestação e queda de uma das principais políticas de construção de edifícios escolares realizada em Portugal.

Em julho de 1985 existiam 371 escolas primárias de área aberta em Portugal. Um total de 77 200 alunos frequentavam essas escolas, lecionados por 3 167 professores. De 1950 a 1969 surge, o que Ana Almeida designa, como o primeiro período de implementação das políticas de construção deste modelo de escolas. Coincide com um momento em que se torna evidente a necessidade de expandir a rede escolar. Mas também de questionamento da eficácia dos modelos dos edifícios escolares tradicionais.

Necessidade de alargamento da rede de escolas e o repensar da eficácia dos edifícios são duas preocupações que encontram eco, ao nível internacional, num projeto coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Tratava-se do Projeto Regional do Mediterrâneo, que fazia um levantamento das necessidades escolares de cada país para o período de 1961-1975, e no qual Portugal participa. Os resultados deste projeto apontam, por um lado, para a necessidade de investir em edifícios escolares de construção rápida e económica, por outro lado, que esses edifícios fossem mais adaptados às orientações pedagógicas emergentes.

Como refere Ana Almeida, “a origem dos planos de área aberta situa-se num movimento crítico em relação a práticas pedagógicas vigentes até meados da década 50. Um movimento que propunha que o desenho das escolas correspondesse a práticas pedagógicas que colocassem a criança no centro do processo de ensino aprendizagem; que permitisse o trabalho individual e em grupo (pequeno e grande) numa variedade interconectada de atividades; que apelasse a uma prática pedagógica por parte dos professores mais baseada no apoio do que na instrução magistral”.

Com base no diagnóstico da OCDE, é criado o Grupo de Trabalho para as Construções Escolares (GTSCE), composto por técnicos do Ministério das Obras Públicas (MOP) e do Ministério da Educação Nacional (MEN). É desenhado e construído um projeto piloto de escola primária, a Escola Primária de Mem Martins, da autoria da arquiteta Maria do Carmo Matos, que mais tarde será responsável da equipa P3, acrónimo do grupo responsável pelo Projeto Normalizado de Escolas Primárias.

O segundo período acontece entre 1969 e 1973 e coincide com a aprovação, desenvolvimento e lançamento do Projeto Normalizado de Escolas Primárias (escolas de área aberta P3) criado no seio do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP), da recém-criada, Direção-Geral das Construções Escolares (DGCE). A primeira escola P3 é construída em Quarteira, no Algarve, “levantando, no entanto, desde a sua génese problemas e contestações, especialmente por parte dos professores”, refere a autora. “Apesar das contestações iniciais, o projeto de escolas de área aberta acaba por ser generalizado, como projeto-tipo que era, pois garantia a celeridade do processo e a economia de construção, tão premente numa fase de expansão da rede escolar.”

A ascensão e queda das escolas de área aberta situa-se num terceiro período que vai de 1973 a 1985/1986. Entre 1980 e 1985 são construídas mais 298 escolas de área aberta, 232 em todo o território continental. No início da década de 80, os protestos da comunidade educativa (professores, pais, autarquias, etc.) contra este tipo de escolas aumentam, como explica Ana Almeida, levanto a tutela a intervir. “Perante um volume maior de contestações e queixas relativamente ao projeto-tipo P3, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) desenvolve um programa de avaliação e coloca em ação uma Experiência Pedagógica destinada a professores em exercício em escolas de área aberta, com o intuito de acompanhar e colmatar as necessidades de formação dos docentes para lecionar neste tipo de escolas.”

Apesar de um “sobreesforço” do MEC, “as reações negativas por parte dos professores, pais e sindicatos mantêm-se e progressivamente dá-se a ereção das paredes e o fecho das salas de aula”. Ana Almeida diz tratar-se de um período em que a formação de professores e os conceitos pedagógicos se tentam adaptar ao edifício escolar. Nesse esforço, socorrem-se a princípios como os da pedagogia de Celestin Freinet (1896-1966), pedagogo francês que defendia que as crianças, tal como os adultos, não gostam de imposições ou disciplinas rígidas, ou da Educação Nova, que via o conhecimento como o produto de uma descoberta feita pelo aluno.

Do lado ministerial, há quase uma “imposição” de uma forma de trabalhar. Na comunidade educativa subsistem grupos a favor e contra. “Mas a “voz” mais audível expressa uma atitude negativa relativamente a este modelo de escolas que se revelava não ter alterado as práticas, mas colocado entraves à forma como os professores e agentes educativos estavam habituados a trabalhar”, esclarece a Ana Almeida. Por pressão de autarcas, sindicatos e professores, os espaços são transformados. Assim, “não foi o espaço que mudou as práticas, mas as práticas que transformaram o espaço”.

Ao fazer a genealogia das políticas de construção das escolas de área aberta, a investigadora identifica os atores, as medidas e os modos de regulação ao longo dos três períodos em que se desenvolveram. E conclui que foram “construídas a partir da circulação e mobilização de uma série de conhecimentos, configurando-se como um território de intermediação entre propostas oriundas da arquitetura, da administração e da pedagogia”.

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